Os doutores do Facebook
As pessoas que têm Facebook nunca cometeram erros, nem tiveram uma atitude que seja menos correta na vida. São implacáveis quanto ao erro, extraordinariamente habilitadas no que toca às questões de moral. São incríveis, apaixonantes. Aliás, o que é Deus ou qualquer força espiritual quando se fala das pessoas do Facebook?
No Facebook pessoas que cuspiam para o chão e lavavam os dentes com a torneira sempre aberta hoje são ativistas ambientais de referência.
Pessoas que nunca na vida souberam e se interessaram, por exemplo, por quem eram os líderes partidários portugueses são agora os maiores comentadores políticos da atualidade no seu círculo de amigos virtuais. E mais, quando a política internacional vem à baila na comunicação social nacional também têm uma palavra a dizer, também têm grandes argumentos e conhecimento de causa para defender a crise política na Venezuela ou as posições dos líderes europeus sobre a crise dos refugiados. Fazem, inclusive, afirmações que nem o Marques Mendes ao domingo à noite na Sic.
No Facebook pessoas que nunca olhavam para as etiquetas das camisolas de cinco euros que compravam hoje são os maiores defensores de humanos que são escravizados para as fabricar. Continuam é sem ler a parte da etiqueta que diz “made in” e tentar perceber o que pode estar por detrás de tudo aquilo, mas isso não importa nada.
No Facebook pessoas que têm na informação académica “escola da vida” ou na informação laboral “trabalho para o bronze” – por vezes, bronze até escrito com s – traçam projetos orçamentais e de políticas de solidariedade de um nível nunca antes alcançado, nem pelo investigador mais credível na matéria à face da Terra.
Mal posso esperar pelo dia em que o Facebook começar a emitir diplomas…e isso vai acontecer. A Francisca, que hoje é formada pela tal “escola da vida”, passará a ser mestre em “Questões da Vida e da Humanidade” pela Escola Superior Facebookiana. O Zé, com os seus setenta anos, adicionará um marco da vida dando a conhecer que recebeu a distinção Honoris Causa – pela mesma instituição que a Francisca – pelo seu relevante contributo prestado à sociedade através das suas publicações virtuais de cariz cívico.
As pessoas no Facebook são tanto, são tudo, o pior é quando se tem uma opinião diferente delas, aí cai o Carmo e a Trindade. Por exemplo, uma dessas pessoas exemplares no Facebook – que todos conhecemos, vá – defende que os salários deveriam ser iguais para todos, mostras que tens uma visão diferente, pronto, já foste, podes até ser de esquerda que ficas com o rótulo de fascista e não se fala mais nisso. E já nem vale a pena tentares explicar a tua visão, seu ditador de primeira, porque essas pessoas têm uma reação completamente normal como, por exemplo, quando as crianças não querem ouvir uma coisa e começam a cantar, mas essas pessoas, pura e simplesmente, levantam e tom e continuam a debitar os seus argumentos impedindo-te de dares os teus, o que é uma atitude pacificamente democrática, é claro.
Onde andava o Facebook, porque é que só apareceu há uma década? E onde andavam essas pessoas que referi aqui? Isso não importa, o que interessa é que apareceram e finalmente começaram a ser resolvidos todos os problemas que há tanto o mundo precisava.